Tendo sido convidado a escrever algo para Pessach, minha primeira reação foi de alegria e honra pelo convite, e sobretudo de surpresa. O que pode um médico, pesquisador em neuropsiquiatria geriátrica falar sobre a Liberdade, sobre a luta por independência e sobre a escravidão da qual nos livramos, igual, mais ou melhor do que os nossos Rebes?
Não pode, não posso. Então, aqui vão breves reflexões sobre os tempos que estamos passando, tempos de pandemia, tempos de privações, tempos de mudanças de hábitos, tempos de espera e tempos de fazer. Como na história de Pessach, tempos de ameaças, desafios, luta e busca de liberdade.
Pessach é uma ocasião que sempre me remete à infância, minha mãe e avó a fazerem kneidlech e guefilte fish e chrein e klopse e saladas e língua defumada, um Seder lauto e feliz, cheio de alegria. Ontem escravos, hoje livres.
Pus-me a pensar nos dias de hoje, eu já aos 66 anos, ainda com as mesmas sensações daqueles tempos, mas já com experiência, uma profissão, aonde meus pais me ajudaram a chegar, aonde a travessia rumo a um lugar melhor me levou. Pessach é uma vez ao ano, rememoramos a saga de um povo orientado por Moshé e seu irmão Aharon. Ambos já idosos, nos seus oitenta anos.
Daí, vendo os dias de hoje, em que continuamos a lutar todo dia por liberdade, por expressão livre de fé e pensamentos, dias nos quais estamos a lutar contra uma praga, uma pandemia, dias nos quais o sofrimento e o isolamento dos mais pobres, dos idosos, sobretudo, me veio o que gostaria de expressar.
A pandemia pelo novo coronavirus já grassa há mais de ano, temos um norte hoje de condutas, o que se deve fazer. No entanto, uma turba continua a não aceitar e não faz o que se deve para controlar esse mal. O mal não é o vírus, o mal é que não fazemos como sociedade o que precisamos fazer, conforme cientificamente provado.
Quando não seguimos nossos sábios, as informações dadas por eles, ficamos perdidos, presos à escravidão da ignorância. Só saímos do Egito porque ouvimos Moshé, porque ele nos liderou. Um Homem com experiência e sabedoria. Só sairemos desse Egito atual quando fizermos do mesmo jeito que nossos antepassados fizeram.
E para isso, precisamos tomar medidas que vão contra nossos instintos. Queremos e precisamos de abraços, beijos, contato próximo, somos uma espécie gregária. Esse o nosso instinto. E temos que ter tomadas de decisão que contrariam esses instintos agora, para que depois possamos voltar ao ponto ótimo. A travessia exige sacrifícios, exige decisões voltadas para um ganho importante no futuro.
Então, me ocorre dizer que estamos a comemorar uma data magnífica, onde atingimos o ponto da liberdade, da saída de uma escravidão de 400 anos, mas que sempre temos muito ainda a conquistar. Afinal, começaram aí os 40 anos no deserto, até que chegássemos à Terra Prometida. Essa é, hoje, ainda, uma luta diária, e todo dia é dia de podermos exercer a nossa liberdade, rompermos amarras de escravidão nos nossos pensamentos e sentimentos, mesmo aqueles que são os mais instintivos. A liberdade é doce mas também traz muitas responsabilidades. Que possamos exercê-los, os direitos, os deveres e as alegrias, mesmo os difíceis, com leveza e aprendizado constante.
Vamos vencer este período, o da pandemia, e vamos chegar a um lugar melhor.
Pessach Sameach!
Jerson Laks
(médico psiquiatra, MD, PhD)
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